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** By ROBERTO CHRISTO **

sábado, 20 de março de 2010

Vejam que legal o que o Zé Geraldo Couto postou no blog

19/03/2010

Como destruir um filme

Se eu aprendi alguma coisa nesses anos todos de crítica de cinema, foi que, para quem escreve, é muito mais fácil destruir um filme do que tentar desvendá-lo aos olhos do leitor/espectador ou, como queria André Bazin, "prolongar o máximo possível, na inteligência e na sensibilidade dos que o lêem, o impacto da obra de arte".

Ah, demolir é tão mais tentador. É ali que o soi disant crítico pode não apenas destilar o seu fel como exibir o seu talento para o sarcasmo e a tirada espirituosa. Geralmente em frases curtas, sentenciosas, definitivas. Em alguns casos, sou obrigado a admitir, o resultado é irresistível.

Como no exemplo máximo de concisão e crueldade atingido por Pierre Ajame, no L'Observateur: "Esperávamos o pior, e é pior". Ou na crítica imaginada por Jorge Luis Borges na Arte de injuriar: "Um encanto o último filme do engenhoso diretor René Clair. Quando nos despertaram..."

Nem sempre as críticas demolidoras têm essa finesse. No mais das vezes limitam-se a elencar adjetivos brutais e piadas um tanto óbvias. Outra coisa que aprendi: quanto menos argumentos se tem, mais virulenta é a linguagem.

Atribuir intenções

Uma das estratégias mais usadas para destruir um filme é atribuir a seu diretor intenções que ele teria deixado de realizar. Exemplo recente: pouco importa que Michael Hanecke tenha dito mil vezes que não pretendeu descrever a gênese do nazismo em A Fita Branca. Vira e mexe, um crítico o condena por ter explicado de maneira pouco consistente ou convincente... a gênese do nazismo.

Outro recurso infalível é a comparação desvantajosa com outro filme que trate de tema correlato ou que lance mão de algum procedimento estético parecido. Como se toda narrativa descontínua, por exemplo, quisesse emular o Cidadão Kane ou todo drama num espaço fechado tivesse que se igualar a um Bergman.

Disposição prévia

Há sempre como iluminar os aspectos da obra que, isolados do conjunto, corroboram a visão negativa.

Para ilustrar melhor o que quero dizer, não resisto à tentação de transcrever um trecho de um artigo que publiquei na Folha há 16 anos, no curso de uma polêmica um tanto acalorada com Marcelo Coelho, de quem sou admirador, a propósito de Manoel de Barros. Lá vai:

Vista ao microscópio e sem um mínimo de generosidade, toda grande literatura, toda grande obra, tem em seu interior passagens "amadorísticas", "filosofias triviais", "banalidades". Por que escapa de ser considerada uma platitude uma frase como "Viver é muito perigoso", reiterada inúmeras vezes ao longo de "Grande Sertão: Veredas"? Porque, dirá um estudioso, é como um mero tijolo numa catedral, um motivo recorrente numa sinfonia etc.

Mas o fato é que um crítico azedo, quando o livro foi lançado, poderia ter-se prendido a frases como essa para dizer que Rosa não passava de um tapeador –como, aliás, muita gente achava e alguns continuam achando. O mesmo vale para os famosos primeiros versos de "Os Lusíadas", de Camões, com a repetição insistente da rima "pobre" de verbos no particípio: "assinalados/ navegados/ esforçados" etc.


O que quero dizer é que a avaliação de uma obra depende muito da disposição prévia do crítico. Se ele quiser destruí-la, nada o impedirá de fazê-lo –nem mesmo a qualidade da obra em questão. Tomemos o "Hamlet" (de Shakespeare, não o do Zé Celso). O crítico poderia escrever:


"Um texto confuso, em que não se sabe se o protagonista é louco de verdade ou se finge sê-lo, e cujos buracos na trama são preenchidos por longos e tediosos monólogos em que despontam frases idiotas como 'Ser ou não ser, eis a questão' ou 'Há mais coisas entre o céu e a Terra do que sonha sua filosofia'. Em certos momentos, para fazer avançar a ação, o autor chega a apelar ao artifício fácil de fazer aparecer um fantasma. Aparentemente sem saber que desfecho dar a seu estapafúrdio enredo, o autor coroa tudo com um dos finais mais ridículos da história do teatro, em que morre literalmente todo mundo, uns envenenados, outros feridos à espada. Em suma, o tipo do espetáculo que deve agradar uma classe média ociosa que nunca ouviu falar em Corneille e Racine."

Fim da autocitação. Desculpem se me estendi, mas acho que o assunto merece.

FONTE: http://blogdozegeraldocouto.folha.blog.uol.com.br

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