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** By ROBERTO CHRISTO **

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A Família Que Vende Doces na Feira da Rua Realengo, Vila Madalena (SP)

Em recente trabalho de análise de locação efetuado na feira livre da Rua Riachuelo, Vila Madalena, São Paulo, fomos muito bem recebidos por quase todos os feirantes que estavam ali desempenhando o seu ofício, exceto pela família que vende doces e biscoitos na primeira barraca da rua. Uma atitude rude nas palavras, na ironia barata e nas caras feias, pairava no ar. Mesmo sabendo que toda a aspereza daquela família se destinava à nossa equipe, não nos preocupamos, mas a mulher da família resolveu atacar de uma forma mais direta, a fim de criar celeuma.

Após um longo período os ignoramos, até o momento em que resolvi tirar a dúvida se aquela infeliz pessoa falava comigo. A partir daí toda a família conseguiu um alvo que julgaram fraco, um integrante da equipe com jeito menos masculinizado, nesse momento aqueles aparentes humildes trabalhadores braçais mostraram as garras, os dentes e proferiram grunhidos ofensivos. "Bicha", "Veado" foram os termos que o tal nível intelectual coletivo foi capaz de gritar, após a tentativa de provocarem toda a nossa equipe dizendo que quem trabalha com cultura, não desempenha um trabalho, pois trabalho de verdade era o que eles faziam, vender doces.

A resposta para os desaforos homofóbicos foi um "Vai tomar no cu", quando os bibelôs machos da família se sentiram ofendidos e partiram para quase agressão física.

A família que vende doces e biscoitos na feira da Rua Realengo, Vila Madalena, SP, às quintas é a típica família brasileira da autopiedade: semianalfabetos, manipulados pela cultura de massa dedicada a arrancar tudo o que querem deles. Fazem parte da camada que se esconde por detrás do escudo de vítimas sociais que só querem conhecer seus costumes locais, só participam daquilo que é o reflexo do desejo coletivo da classe D, são acomodados, cheios de regras absurdas e ultrapassadas e sonham em consumir em shoppings. São as "pobres vítimas sociais", bem alimentadas, quase obesas, caucasianas, brancas que se sentem ameaçadas quando precisam dividir o espaço de trabalho com demais trabalhadores e lamuriam por não pertencerem ao topo da pirâmide do "status quo", por serem "ignorantes". Choram como animais fracos e indefesos diante de seu predador, até o momento em que vêem passar uma espécie que, na sua rasa cultura, ocupa um patamar inferior. A partir daí enchem seus peitos de coragem e se tornam os predadores, atirando contra aquilo que julgam ser a escória da sociedade. Isso é a prova que a autopiedade cansa quem a carrega, por isso há a eterna necessidade de encontrar na outra pessoa, um sujeito adequado para desempenhar o papel de ativo.

Assim é cultura brasileira, muito atrasada! Nossas famílias não se conscientizaram da importância em educar os filhos em um ambiente livre de preconceitos e baseado no respeito mútuo. Os arquétipos de profissionais de sucesso, trabalhador árduo, do bem sucedido social e economicamente fazem parte do inconsciente coletivo do brasileiro. Nossa sociedade é imatura e cheia de complexos. Trabalho ainda significa, literalmente, suar a camisa. A ignorância impera no Brasil e o vitimismo se torna a justificativa para o atraso intelectual.

Estamos no século XXI, informação é algo abundante, fácil e barato; a internet é um mundo de possibilidades para aprender, para crescer, porém nossos jovens não se interessam pelo aprendizado. Em 1960, a Coréia do Sul tinha uma taxa de analfabetismo de 35%, uma renda per capita de 900 dólares por ano e ainda o trauma de uma guerra civil que deixou 1 milhão de mortos e a economia em ruínas. Após um maciço investimento para conscientização da importância da educação e da cultura para formação de um cidadão, aliado à disciplina do povo oriental, hoje, o país exibe uma renda per capita dezenove vezes maior, erradicou o analfabetismo e Seoul foi capital mundial do design, por exemplo. São Paulo é uma cidade que oferece inúmeras opções de participar da cultura sem nenhum gasto, ou com preços acessíveis, o que falta é vontade do povo em crescer intelectualmente.

A minha experiência de vida hoje me faz enxergar que o avanço social está atrelado à mudança no conceito de moral. Nossos jovens só pensam em consumir, nossa classe D só pensa em adquirir a cultura popular, ou do capricho pessoal e individualizante, ou a cultura religiosa e moralista que pende para o lado econômico.

A família de feirantes de doces e biscoitos da Rua Realengo, na Vila Madalena, que até então parecia um família harmônica, empreendedora, batalhadora deixou sua imagem desmoronar quando exalou toda a sua ira pelo simples fato de expressarem a revolta do próprio desejo sucumbido, não atingido ou refletido na vida alheia. Esta classe tem um complexo social que a faz odiar, censurar e julgar como arrogante tudo aquilo que consideram erudito, ou aquilo que não conhecem, mas que socialmente é considerado algo de um nível de cultura e poder aquisitivo superior. Ora, não podemos ser alvo de ódio por nossos gostos ou nossos conhecimentos intelectuais. As informações estão aí para quem deseja assimilá-las. Ou só a cultura popular tem valor?

Isso é fruto do complexo de vítima e inferioridade dessa sociedade que se enxerga sob a ótica de um fantasioso estado de total abandono, aquela família, que comodamente, culpa a sociedade como a responsável por suas próprias mazelas.

Viver é difícil para todos, sem exceção! Nós somos os responsáveis pelos nossas vidas. Não podemos distorcer a realidade e achar que os outros são sempre os errados, não podemos criar couraças de autodefesa por que tivemos receio daquilo que pensamos ser trabalhoso em conquistar.

As diferenças existem, são responsáveis pela criação de um mundo onde podemos formular nossos gostos pessoais e precisam ser respeitadas.

A ignorância cultural impede qualquer ser de se deleitar com as belas cores da diversidade.

por ROBERTO CHRISTO



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