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** By ROBERTO CHRISTO **

terça-feira, 13 de abril de 2010

Muito Interessante este Trabalho de Análise Mercadológica

FONTE: www.cibersociedad.net
CONFERÊNCIA POR: Denise Fernandes Britto
(Durante o IV Congresso de Ciber Sociedade 2009)


Grupo de Trabalho D-53: Cinema e produção audiviovisual
Aspectos mercadológicos do Cinema de Retomada no Brasil

Resumo
A produção fílmica no Brasil, no contexto da globalização, vivencia o chamado Cinema de Retomada, inaugurado a partir da década de 1990. Ainda que não se caracterize como um movimento, é possível identificar uma produção mais estável, amparada por investimentos financeiros. Tal cenário, todavia, não compromete as referências críticas e de identidade nacional, o que reforça ainda mais a falsa dicotomia arte x indústria. Tendo em vista esse panorama, este ensaio se propõe a estudar, de forma introdutória, as relações mercadológicas intrínsecas à produção do cinema nacional contemporâneo. Para isso, nos valemos de estudos teóricos das áreas do Cinema, da Comunicação e do Marketing.

Texto da comunicação
Introdução

Este ensaio busca identificar a dimensão mercadológica do cinema brasileiro na atualidade (a partir da década de 90), que alia características artísticas a um cenário corporativo. Portanto, nosso objeto de estudo é a produção fílmica contemporânea no Brasil, a partir da década de 1990, que marca a fase conhecida como Cinema de Retomada. Nosso olhar se dá a partir das relações de mercado intrínsecas a esta produção que mantêm preservadas importantes características estéticas e artísticas.

Adentrando em outros movimentos, percebemos que para compreender o cinema brasileiro em sua fase atual já não cabe adotar a postura da crítica ideológica, prevalecente na década de 1970, e que propunha uma falsa dicotomia de um cinema massivo alienante e uma arte de difícil compreensão.

Para nossa análise, utilizamos o método dialético de análise que nos permite, por meio de uma contraposição de informações, sintetizar novos parâmetros acerca do objeto estudado. Como este estudo se encontra em fase inicial – tendo em vista a amplitude de seu tema -, utilizamos, neste artigo, uma pesquisa bibliográfica nas áreas de Comunicação, Cinema e Marketing.

Buscamos perceber alguns aspectos das condições de produção do cinema brasileiro contemporâneo, no intuito de responder à seguinte problemática: como se dá a relação entre a indústria cinematográfica - que injeta recursos materiais – e o cinema de arte nacional, que mantém marcas autorais e forte influência artístico-literária?

Levando-se em conta a heterogeneidade típica da produção artística, iremos, no decorrer da pesquisa, nos remeter a um grupo de filmes que mantêm uma originalidade do movimento cinematográfico nacional e são sustentados por uma engrenagem corporativa. Ilustram esse cenário títulos como O auto da compadecida (2000), O coronel e o Lobisomen (2005), Lisbela e o prisioneiro (2003), Romance (2008), O Cheiro do Ralo (2007), O Primo Basílio (2007) e Meu nome não é Johnny (2008), entre outros.

Essa originalidade – referida anteriormente - pode ser traduzida em características como adaptações literárias de autores consagrados de movimentos literários; a inclusão de personagens que representem diversos grupos sociais no país; variação de temas e gêneros que vão desde a violência urbana até as comédias românticas; a utilização de novos recursos tecnológicos etc.

Portanto, torna-se indispensável a análise da atual fase do cinema brasileiro sob o ponto de vista econômico-político no intuito de entender um cinema amparado pela indústria e capaz de manter uma estética própria, que reproduza representações mais estreitas com as condições sociais e culturais do país. Nosso estudo se propõe a interpretações críticas, porém, menos maniqueístas, em que o cinema pode combinar, de forma diversificada, elementos como consciência política, inovação estética e prazer espectatorial, em um contexto de uma indústria cinematográfica que viabilize economicamente a produção de filmes. Ressalta-se, inclusive, o papel do Estado e a Lei do Audiovisual (1993) que por meio de incentivo fiscal tem atraído empresas – na sua maioria, estatais – para investir em filmes.

A arte e a economia

Essa relação entre a economia e a arte é muito antiga. O início da interferência de empresas, governos e outras instituições remonta, segundo Almeida apud Augusto (2006: 459) a um período bem anterior, datado “ao final da era antes de Cristo, na Roma dos Augustos, quando a expressão mecenato tomou corpo como referência às atividades desenvolvidas por Caius Cilnius Maecenas […] que foi um grande articulador de uma política de relacionamento entre o governo e os pensadores, filósofos e artistas, utilizando-se desses últimos o prestígio e a aceitação […]”.

Ainda segundo o autor, “Mecenas arquiteta um dos mais sutis e eficientes sistemas de legitimação do poder da história” (Almeida apud AUGUSTO, 2006: 459).

Outro momento marcante par o mecenato foi o Renascimento na Europa (entre os séculos XV e XVII), em que artistas eram patrocinados por particulares que o sustentavam em troca de sua produção artística. Não é à toa que o período ganhou força e é até hoje reconhecido na História da Arte, com a valorização de nomes e obras consagradas.

Teóricos de áreas como a Comunicação, a Cultura e a Sociologia têm debatido a produção cultural e artística no contexto da economia de mercado. No capitalismo comercial, surgiu a primeira expressão artística burguesa: o folhetim. Tratava-se de uma arte de consumo, cujos capítulos eram publicados nos jornais, comprados periodicamente por um público com poder de consumo, que se deleitava com a fórmula definida pelo autor Wilkie Collins: “Faça-os rir, faça-os chorar, faça-os esperar”.

Curiosamente, o folhetim, mesmo tendo um aspecto marcadamente comercial, consistia em uma importante manifestação literária, de nomes consagrados, cujos traços autorais bem como a liberdade de conteúdo eram preservados (uma vez que quase todos tratavam de amenidades líricas do Romantismo).

Atualmente, diversos produtos midiáticos dispõem de fórmulas semelhantes. As novelas, legítimas descendentes do folhetim, também seguem um ritmo gradual que prende a atenção e atende aos anseios de milhares de telespectadores. A própria literatura é influenciada pela visão burguesa e, hoje, livros de “fácil digestão”, como Sabrina, Harry Potter, Crepúsculo e até os títulos de auto-ajuda compõem o topo do ranking dos mais vendidos. Os filmes comerciais – vide a indústria do cinema norte-americana – também são produtos acessíveis à grande massa.

Nas Teorias da Comunicação, autores divergem ao longo do tempo a respeito da interferência econômica na arte. Em sua obra (1992), Eco sintetiza a discussão entre os apocalípticos e integrados.

Os apocalípticos são estudiosos que criticam duramente os grandes meios de comunicação e o interesse econômico das multinacionais na cultura. Nesse panorama, enquadra-se notoriamente a Escola de Frankfurt após a Segunda Guerra Mundial. Tal movimento cunhou, inclusive, o termo “indústria cultural” para evidenciar a produção em série da bens simbólicos, o que transformou a cultura em mercadoria. “Nas sociedades capitalistas avançadas […] a população é mobilizada a se engajar nas tarefas necessárias à manutenção do sistema econômico e social através do consumo estético massificados, articulado pela indústria cultural” (RÜDGER, 2001: 133).

Na outra ponta da discussão, encontram-se os integrados, cuja visão teórica alia de modo mais harmonioso a produção cultural voltada à massa, sustentada por grandes grupos empresariais. Nesse sentido, destacamos os autores da Escola Europeia, do qual o próprio Eco faz parte e que encontra autores como Edgar Morin e Roland Barthes. Sem deixar a crítica de lado, esses pesquisadores enxergam os produtos da cultura de massa como algo necessário à vida humana.

As divergências teóricas se estendem para outros aspectos – não menos importantes: “Os estudos culturais, o pós-modernismo e o culturalismo da Escola de Frankfurt rivalizam entre si com a teoria da posição-subjetiva, oferecendo explicações do conhecimento e da ção que são igualmente fundacionais” (BORDWELL, 2004: 36)

O Cinema de Retomada

Trazendo essa discussão teórica para o cinema no Brasil, percebemos desde a década de 1990 uma produção nacional cinematográfica diferente da experimentada em fases anteriores, que inaugura a retomada do público às salas de cinema para prestigiar a produção nacional sem, contudo, esbarrar necessariamente nas fórmulas hollywoodianas, do antigo studio system na qual toda a produção estava atrelada às empresas patrocinadoras que interferiam no roteiro dos filmes, na escolha do elenco e de cenários. Ao mesmo tempo a produção brasileira vem amparada por grandes empresas, nacionais e multinacionais, que se unem estrategicamente para lançar um filme. Os meios de comunicação, inclusive, têm denominado essa fase como uma “retomada do cinema brasileiro”, dando-se a partir de filmes como Carlota Joaquina, a princesa do Brasil (1995), Central do Brasil (1998) e O que é isso Companheiro (1997). O interesse crescente do público continuou com obras como O Bicho de Sete Cabeças (2001), Abril despedaçado (2001), Cidade de Deus (2002), Carandiru (2003) e Tropa de Elite (2007), além dos títulos já citados neste artigo.

As especificidades dessa nova época no cinema se dão ainda mais claramente quando estudamos fases anteriores da produção fílmica no Brasil. No Cinema Novo, por exemplo, Glauber Rocha fundamenta sua obra na “estética da fome”, tendo a fome como metáfora e metonímia, isto é, não só como tema, mas também como uma referência às condições materiais de produção de suas obras. Hoje, o cinema brasileiro no grande circuito está distante desse movimento, mas é capaz de manter raízes estéticas que o liguem a uma tendência única, diversificada e original, privilegiando representações próprias da cultura brasileira.

Valendo-se dessa justaposição os filmes brasileiros também passaram a ganhar mais espaço nas salas de cinema, bem como em outros pontos de distribuição (TV paga, locadoras e até eventos tais como mostras e festivais de cinema). Ganhando força junto ao público, o cinema no Brasil aproxima-se do panorama que temos na televisão (com novelas, programas de auditório, programas jornalísticos) e na música (em que existe uma forte presença de ritmos brasileiros). Com isso, o Brasil abandona a perspectiva, já equivocada, de um “Terceiro Mundo” incapaz de produzir filmes e receptor passivo frente a uma onda exclusivamente dominada pelo mercado produtor norte-americano. A produção do “Terceiro Mundo”, na qual se enquadra o Brasil, não pode ser considerado marginal em relação à indústria de cinema do “Primeiro Mundo”. Ao contrário, tem produção significativa no cenário global.

Foi a partir de observações preliminares que notamos uma interessante característica na produção fílmica contemporânea no Brasil. Grandes empresas como a Globo Filmes e até multinacionais passaram a investir na produção e distribuição de filmes que tivessem um rigor e padrão de produção mais próximas do cinema de Hollywood em termos de rotina produtiva e tecnologia. Mesmo com o suporte dessas empresas, parte importante e considerável do cinema nacional não está necessariamente atrelada à fórmula hollywoodiana, com efeitos, roteiros e temas americanizados. Ou seja, não existe uma pressão explícita do mercado sobre o autor/diretor/produtor a ponto de comprometer a essência de sua obra.

A atual referência do cinema como negócio é, sem dúvida nenhuma, Hollywood, que trabalha aspectos mercadológicos e psicanalíticos em suas obras a fim de obter resultados financeiros e de público. Nesse contexto, existem “duas ‘máquinas’ em operação no interior da instituição cinematográfica: a primeira, o cinema como indústria, produzindo commodities cuja venda na forma de ingressos oferecia o retorno do investimento; a segunda, a máquina mental, internalizada pelos espectadores e que as adota para o consumo de filmes como ‘bons objetos’ prazerosos. Uma das economias, que envolve a geração do lucro, está intimamente ligada à outra, que envolve a circulação do prazer […]” (METZ apud STAM 2003: 190).

Destaca-se que os países como o Brasil têm procurado alternativas para produzir filmes de maneira competitiva – ainda que isso se restrinja em boa parte ao seu mercado interno. Soma-se a isso o advento de novas tecnologias e meios de comunicação como a internet. “[…] Ao longo do seu primeiro século de luzes, o cinema nunca teve contestado o seu cerimonial. Muitos de nós são internautas, navegam neste mundo de computadores, perseguindo pixels, em busca das novas imagens do futuro. Mas ainda não nasceu a geração que vai prescindir do cerimonial do cinema” (MERTEN, 2003:10).

A seguir, veremos os caminhos trilhados atualmente pela produção cinematográfica nacional.

O cinema e o marketing cultural

Conforme Augusto (p. 457), no Brasil é crescente a atenção das empresas às manifestações culturais como forma de diferenciação competitiva, o que implica em um “posicionamento favorável da marca perante a sociedade e, consequentemente, perante o consumidor. Esse apoio dado à cultura pela iniciativa privada foi denominado de marketing cultural” (AUGUSTO, 2006: 457).

Nesse cenário em que as empresas se mobilizam para, de alguma forma, fomentar as expressões artísticas e culturais, dá-se a soma de importantes atores sociais nesse processo, a saber: o artista, o produtor, o ator, o agente e outras pessoas envolvidas na produção de uma peça teatral, de um filme, de um vídeo, de um evento cultural.

Para Manet apud Augusto (p.548), “cultura é informação, conhecimento e exercício de valores sociais, hábitos e normas consagradas por práticas que identificam o modo de vida de uma comunidade vinculada a valores dominantes ou desejáveis”.

“Como o público tem diminuído, e a pressão sobre os produtores para competirem por esse público reduzido aumentou, houve muitas mudanças nas práticas da indústria cinematográfica”(TURNER,1997: p.15). Nesse sentido, o autor nos explica que “[…] a indústria tem sido cautelosa ao escolher projetos para patrocinar” (p.15).

No Brasil, a alternativa mais recente e que já surtiu resultados substanciais foram as leis de incentivo cultural, as quais têm atraído o interesse de empresas públicas e privadas (Petrobrás, Vale, Odebrecht, do ramo de telefonia celular e telecomunicações etc).

Vale a ressalva de que o modelo das leis – em âmbito federal, estadual e municipal – tem recebido críticas dos estudiosos da área de cinema.

Outro aspecto é o forte movimento de marketing cultural que as leis provocaram na cultura organizacional das empresas patrocinadoras. “[…] Entende-se que a participação da iniciativa privada, no que tange às doações ou mesmo ao patrocínio, é vista como estratégia na busca de melhorar o contexto competitivo da organização […]. Ou seja, utilizar a filantropia estratégica significa alinhar as metas sociais e econômicas, melhorando as perspectivas comerciais de longo prazo da empresa” (AUGUSTO, 2006: 462)

Considerações finais

O cinema nacional tem se valido de recursos originais e também artísticos mantendo uma estética diferenciada. Em outras palavras, tem se apoiado em dois pilares: arte e indústria, obtendo resultados que quebram a falsa dicotomia entre arte de massa alienante e arte vanguardista de acesso restrito. O cinema brasileiro parece propor uma reconciliação entre o apelo popular (sucesso comercial) e a crítica social, como em filmes supracitados.

Entendemos uma justaposição, não-maniqueísta, desses dois eixos, com uma produção fílmica contemporânea no Brasil de caráter conciliador, que aglutina elementos culturais e econômicos, sem se isolar em uma arte vanguardista de difícil acesso ou uma arte de massa alienante. Como resultado, vemos inaugurada uma nova fase fílmica no Brasil, sem caráter coletivo ou uma estética definida, mas que garante um florescimento de obras significativas e de grande repercussão.

Atualmente, o cinema brasileiro não propõe uma ruptura com a estética hollywoodiana, mas, ao mesmo tempo, não deixa de absorver valores nacionais às suas narrativas. Trata-se de um cinema capaz de reconhecer e levar em consideração os desejos do espectador, evitando um hermetismo que, sob o pretexto do engajamento social, fecha-se em uma linguagem inacessível e um tratamento pouco atraente, que anulam o prazer do espectador. Em outras palavras, é possível estimular o questionamento sem anular o viés prazeroso de assistir a um filme.

Sendo assim, compreendemos o cinema como um meio globalizado tanto em termos estéticos, quanto de autoria e de distribuição, um cinema capaz de combinar criatividade autoral, popularidade de massa, literatura nacional e rotina produtiva cinematográfica.

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